Para alguns teóricos da tradução, a adaptação pode ser vista como uma ferramenta que pode ser usada para contornar a “intraduzibilidade” de algum texto. Em outras palavras, a adaptação é um dos processos de intervenção do tradutor e pode possuir diversos significados, como explicita Georges Bastin:
Adaptation may be understood as a set of translative interventions which result in a text that is not generally accepted as a translation but is nevertheless recognized as representing a source text. As such, the term may embrace numerous vague notions such as appropriation, domestication, imitation, rewriting, and so on (BASTIN, 2009, p. 5).
Adaptação pode ser compreendida como um conjunto de intervenções tradutórias as quais resultam em um texto que não é convencionalmente aceito como uma tradução, mas é, não obstante, reconhecido como uma representação do texto fonte. Como tal, o termo pode contemplar diversas noções vagas como: apropriação, domesticação, imitação, reescrita e outros. (Minha tradução)
Na perspectiva do uso na atividade da tradução, o autor (Ibidem) elucida que podem existir dois tipos de adaptação, relacionada à extensão da aplicação dessa ferramenta: [1] uma adaptação local e [2] uma adaptação global. A primeira é uma intervenção restrita a certos excertos do texto — quando uma tradução literal não é possível —, pode também ser compreendida como uma reconstrução ou reescrita local, uma tentativa de preenchimento de um vazio semântico e pragmático entre a língua de origem e a língua alvo.
A segunda é uma prática que tem a tendência de englobar o texto por completo com o objetivo de “reconstruir o propósito, função ou impacto de um texto” (Ibidem, p. 5). Um exemplo comum, e de simples compreensão, é a tradução de poesia, que gira em torno da criação e recriação de incontáveis aspectos poéticos, um jogo de perda e compensação, a adaptação global mostra-se necessária por conta da necessidade de intervenção no texto com um todo. Haroldo de Campos, sobre a tradução (ou adaptação) de poesia declara:
Já se disse que traduzir poesia chinesa para um idioma ocidental seria algo tão impossível como a quadratura do círculo (Siegfried Behrsing, cit. Por W. McNaughton, Ezra Pound et la littérature chinoise). É da essência mesma da tradução de poesia o estatuto da impossibilidade. Para quem aborda a arte de traduzir poesia sob a categoria da criação, essa superlativação das dificuldades que lhe são intrínsecas só pode acrescentar-lhe, na medida proporcional, o fascínio.
Portanto, a perspectiva da adaptação como uma ferramenta tradutória está profundamente conectada com a necessidade de reestabelecer uma conexão cortada no nível sintático ou estético entre o texto de partida e o traduzido. É uma ferramenta ou um método porque o produto desse processo não possui autonomia, sendo assim, está sempre conectada ao documento original, como tal, a tradução pode ser definida por essa conexão.
Por outro lado, na perspectiva contrária à adaptação como uma ferramenta tradutória, a adaptação é vista como um fenômeno. Em particular, essa perspectiva é ligada comumente a textos artísticos que são transmutados em outro objeto diferente da origem, embora o grau de diferença possa variar significativamente entre o texto-fonte e sua adaptação de acordo com o tradutor/adaptador. De qualquer modo, a caracterização da adaptação enquanto fenômeno ou ferramenta está ligada diretamente à sua autonomia e como tal aspecto pode ser usado para definir o grau de qualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASTIN, G. Adaptation. In: BAKER, M; SALDANHA, G. (orgs.). Routledge Encyclopedia of Translation Studies. London: Routledge, 2009, p. 3-6.
CAMPOS, H. A arte no horizonte do provável e outros ensaios. São Paulo: Perspectiva, 1969. NAKAGAWA-SILVA, M. K. A desconstrução no fenômeno da adaptação. Orientador: Lídia Carla Holanda Alcântara. 2022. 27 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura Plena) — Letras com Habilitação em Língua Alemã, Instituto de Letras e Comunicação, Universidade Federal do Pará, Belém, 2021.